A verdadeira história do vinho laranja

O vinho laranja ou âmbar, para muitos enólogos, é na realidade um vinho branco vinificado com as cascas, como acontece com os vinhos rosés e tintos, ou seja, na maceração ao invés de se retirar as cascas, opta-se por deixá-las em contato por um tempo longo com o mosto, assim acontece a chamada maceração pelicular que tinge a bebida com essa cor e confere outras característica. Quer saber quais?

Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade

Apesar desses vinhos estarem na moda atualmente, eles já são produzidos há séculos na Geórgia, no Cáucaso, cerca de 8 mil anos atrás, e conhecidos como de estilo âmbar porque apresentam essa coloração. Se for mais intensa são chamados de “kakhetian” e se for menos intensa de “imeretian” dependendo do que eles colocam junto para fermentar: engaço, sementes, peles ou cascas.

Os vinhos eram vinificados em grandes recipientes de cerâmicas denominados como “kvevri”, na Espanha também foram encontrados esses objetos em escavações arqueológicas que os chamaram de tinaja e em Portugal, no Alentejo, de talhas. Todos são utilizados para a vinificação das uvas de modo mais tradicional possível.

O “kvevri” não é uma ânfora porque é um recipiente anterior às tradições greco-romanas, não tem alças para transporte e é permanente, visto que normalmente é enterrado para diminuir a temperatura interior e auxiliar no processo de fermentação do mosto. Atualmente é considerado como Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade.

A tinaja espanhola e a talha portuguesa são consideradas ânforas porque possuem alças para transporte e ficam na superfície ou só são enterradas pela metade. São mais recentes, pois possuem aproximadamente 2a 3 mil anos idade.

Outra diferença no processo de vinificação é a utilização de menos sulfito – conservante químico – porque as leveduras presentes naturalmente nas cascas responsáveis pela fermentação conseguem melhorar a ação antibactericida ao transformar o açúcar da uva em álcool funcionando como um esterilizante e desinfetante natural.

Como a fermentação do mosto ocorre com a presença das cascas da uva, onde há maior concentração de tanino, que é uma substância que auxilia na conservação da bebida, cede a tonalidade e adstringência, este tipo de vinho tem uma proteção diferenciada e maior grau de envelhecimento.

Geórgia é considerada o berço dos vinhos âmbar
Geórgia é considerada o berço dos vinhos âmbar

Potência do Laranja

Os processos tradicionais estão voltando com força total. Assim, vinhos produzidos de maneira natural, orgânica, biológica estão na moda entre os consumidores de mente aberta, ou seja, os Wine Lovers de plantão.

Os vinhos laranjas tem uma acidez volátil, que pode ser considerado como um ponto delicado porque se a concentração de ácido acético – quantidade de vinagre que se forma na fermentação dependendo das leveduras e bactérias utilizadas – é muito alta, acaba passando do ponto e tornando a bebida muito oxidada. Esse nível é controlado nos vinhos para não trazer uma sensação de azedume tão intensa.

Os países que resolveram resgatar essa tradição, desde 2000, foram a Itália, mais precisamente a região de Friuli e a Eslovênia. O italiano Josko Gravner popularizou esse tipo de bebida e é considerado o papa do novo vinho laranja moderno. Um comerciante de vinhos acabou dando o nome, sem querer, devido à coloração alaranjada e o termo firmou-se no mercado, mas o correto para os georgianos é denominar como vinho âmbar.

Ele possui muita complexidade, acidez alta, untuosidade, persistência longa e taninos. A cor pode variar entre laranja, dourado e âmbar. No nariz pode-se sentir pera, mel, cera de abelha, notas oxidativas e balsâmicas, frutas cozidas e tostado leve. Em boca apresenta sabores de cascas de frutas cítricas, marzipan e mel, tem textura e adstringência.

Pode ser harmonizado com carne de porco, carne vermelha, mostarda e queijos defumados porque é um vinho potente que pede um acompanhamento mais forte. Afinal, a maceração pelicular pode chegar a até 6 meses, muito mais do que os vinhos tintos ficam em contato com as cascas, tornando-os ainda mais diferenciados e revolucionários.

Friuli, na Itália, produz os tradicionais vinhos laranja

Resgate ao Passado

Pequenos agricultores artesanais começaram a fazer bons vinhos em uma região vitivinícola considerada anteriormente como produtora de vinhos básicos para abastecer a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, veja mais sobre esse assunto no nosso artigo sobre a Moldávia, clicando aqui: https://blog.winelovers.com.br/voce-sabia-que-a-moldavia-e-uma-grande-produtora-de-vinho-no-leste-europeu/

Na década de 1980, Gravner volta da Universidade cheio de ideias modernas para os vinhedos ao trazer o foco para as uvas de variedades francesas: chardonnay, merlot, cabernet sauvignon, etc. e ao utilizar na fermentação e armazenamento as pequenas barricas de carvalho francês para priorizar a qualidade do vinho ao invés da quantidade.

Com o passar do tempo, sua produção já era considerada de alta qualidade e a vinícola ganhou muitos prêmios. Após visitar os Estados Unidos, no final da década de 1990, e conhecer todos os avanços tecnológicos que interferiam no processo de vinificação ao extremo – como concentração de mosto e direcionar aromas usando leveduras selecionadas – ele ficou chocado com tudo aquilo e concluiu que todos os vinhos tinham o mesmo gosto, aroma, cor e decidiu ao regressar à Itália acabar com o método francês que utilizava em seus vinhedos porque a filosofia do vinho tinha se perdido. Fez umas pesquisas e foi para a Geórgia conhecer o processo milenar do “kvevri”. Resolveu apostar nesse sistema após comprar um deles para testar.

Gostou tanto do resultado que comprou mais “kvevris”, abandonou as barricas e arrancou suas vinhas de chardonnay. No lugar plantou a ribolla gialla, que é uma uva branca de origem grega, cultivada na região do Friuli e que possui uma casca mais grossa e tem as características ideais para ficar mais tempo em contato com a polpa, ou seja, fazer o vinho âmbar.

Ele virou um verdadeiro natureba! Mas, essa mudança radical foi abrupta e todos acharam que transformar o vinhedo dessa forma era coisa de uma pessoa desequilibrada. Muitos produtores da região também seguiram seus passos, mas os críticos não gostaram do produto porque não parecia um vinho branco, tinha uma cor turva, escura e âmbar, um aroma estranho e um sabor esquisito.

Naquela época, esses vinicultores perderam muitos apreciadores dos seus vinhos brancos e enfrentaram resistência. Atualmente, tem consumidores apaixonados, fiéis e que buscam o conceito do vinho mais puro possível. Claro, é uma questão subjetiva porque nem todo mundo gosta de vinhos dessa natureza.

Alguns tipos de kvevris georgianos

Sugestões Wine Lovers

A Wine Lovers, tem algumas opções de vinho laranja para sua escolha:

FOFFANI PINOT GRIGIO RAMATO – ORANGE STYLE

O vinho Foffani Pinot Grigio Ramato – Orange Style, da vinícola italiana Azienda Agricola Foffani, com 100% Pinot Grigio. É um belíssimo exemplar orgânico, certificado pelo SQNPI, de como fazer um vinho laranja em tanques de aço inox com temperatura controlada de 15o C. O mosto fica em contato com as peles por 8 a 12 horas, sem fermentação malolática e envelhecimento por batonage sur lies em aço inox. É afinado e amadurecido durante 6 meses em garrafa. De cor amarela com reflexos de palha e cobre. Aromas de flores silvestres, feno e grama. Na boca apresenta corpo harmonioso, sofisticado e média estrutura. Ideal com aves, vitela, carnes brancas, cogumelos, massas e queijos.

O vinho El Salvaje Estilo Naranja, da vinícola Casa de Uco Private Vineyards & Wine Resort, tem 85% chardonnay e 15% torrontés. Inspirado em métodos ancestrais, a cor alaranjada é consequência do processo de elaboração oxidativa e do envelhecimento em barrica. Sua tipicidade é conseguida a partir do contato da polpa com a pele da uva. Fermentação em ovos de concreto. Envelhecimento por 14 meses em barricas de carvalho francês de 500 L de quarto uso. Tanto na boca quanto na nariz lembra um vinho branco fresco, com uma acidez marcante e uma elegância que provém do tempo que permaneceu em contato com as cascas. Harmoniza bem com frutos do mar, saladas, massas ao molho de queijo, queijos macios e frutas.

CASA DE UCO EL SALVAJE ORANGE STYLE
BOJADOR VINHO DE TALHA BRANCO

O vinho Bojador de Talha Branco, da vinícola orgânica Projeto Espaço Rural, do enólogo Pedro Ribeiro, contém as uvas perrum, roupeiro, rabo de ovelha e manteúdo. A vinificação é feita da forma tradicional, em talhas de barro sem controle de temperatura. A forma ancestral de fazer o vinho de talha foi totalmente respeitada. A fermentação utiliza leveduras indígenas da região e não tem qualquer adição ou correção dos mostos. O vinho estagiou durante 2 meses em garrafa, não foi estabilizado, portanto pode conter resíduos naturais. Tem cor exuberante, mineralidade e complexidade. Na boca traz intensidade, frescor e cremosidade. Combina com ostras, frutos do mar, saladas, moqueca de peixe e carnes brancas.

O vinho Aphros Phaunus, da vinícola biodinâmica Aphros Winery, do enólogo Vasco Croft, tem 100% loureiro. Fermentação e maceração pelicular durante 10 semanas em talha, onde estagiou mais de 7 semanas após remoção das películas. No nariz é fresco, leve, com notas sutis de água de pêssego, pêra, damascos, flores, grama, limão e mel. Na boca é franco, saboroso, com bom ataque cítrico, presença de minerais, frutas frescas, acidez e volume. O final remete a raspas de limão e feno fresco. Com média persistência. Perfeito com paella, peixes defumados e frutos do mar.

APHROS PHAUNUS
APHROS PHAUNUS PET NAT ESPUMANTE EXTRA BRUT

Outro exemplar da mesma vinícola, é o vinho Aphros Phaunus Pet Nat Espumante Extra Brut, com 100% loureiro. Maceração com peles e fermentação com temperatura controlada entre 14 e 16o C em cubas de aço inox, finalizadas em garrafa. Degórgement após 5 meses. Método de vinificação de espumante utilizado por ancestrais, feito de uma única fermentação sem adição de açúcares ou leveduras. Harmonize com entradinhas, caviar e peixes ricos.

Lembre-se  que todo vinho produzido em kvevri/talha é laranja, mas nem todo vinho laranja é feito em kvevri/talha! Fica a dica…

2 respostas para “A verdadeira história do vinho laranja”

  1. Vinifico o vinho âmbar (laranja) de uvas chardonnay na nossa mini vinicola HH ou Herr Hartmann. Na cidade de rio grande, RS. A uva é proveniente de espaldeiras localizadas em Pinheiro Machado do pampa Gaúcho. São poucas garrafas. O vinho ficou honesto.

    1. Olá Carlos, que bacana saber disso. Realmente os vinhos laranja são únicos e especiais. Parabéns, pela sua iniciativa de produzir esse tipo de vinho. Agradecemos a sua mensagem.

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