Você conhece o vinho de talha?

Acredito que muitas pessoas já tomaram um vinho de talha e nem sabiam disso. É um vinho que foi produzido a partir de um processo de fermentação milenar e que está voltando aos dias de hoje como uma tendência do mercado das vinícolas sustentáveis e mais orgânicas. Talha é sinônimo de ânfora e dependendo do país utiliza-se um desses nomes. Em Portugal, talha; na Itália e Grécia, ânfora; e na Geórgia, qkevri. Quer conhecer mais a respeito?

A Talha

Talha é uma vasilha, geralmente de barro, de boca estreita e grande bojo, em que se guarda vinho, azeite e cereais. É um grande cântaro, vaso de barro, para conservar água e líquidos. Ao longo dos séculos foi utilizada para diversas coisas, mas o que o homem percebeu é que servia muito bem para o transporte e armazenamento de alimentos. E ao permanecer certo tempo dentro deste local acabavam fermentando, caso das uvas e dos cereais. 

Ela é o recipiente mais antigo conhecido pela humanidade para a vinificação. Na região de São Cucufate, em Portugal, foram encontradas ruínas romanas com vários acessórios para a colheita de uvas como tesouras de poda, vestígios de ânforas e dois contra-pesos romanos, que são balanças de ferro, que podem comprovar a antiguidade deste tipo de vinificação. E na Geórgia, a produção dos vinhos âmbares é muito difundida como uma maneira milenar de fazer vinhos, se quiser saber mais sobre o assunto, leia o artigo “A verdadeira história do vinho”.

Então, quando os produtores da atualidade escolhem esse utensílio significa um resgate da nossa ancestralidade e junto com isso eles utilizam as técnicas mais rústicas e rudimentares já existentes. O barro entrega algumas características como um pouco de toque mineral, um aroma de areia molhada, mas o que irá diferenciar o vinho é o tipo de técnica primitiva escolhida.

Típicas ânforas romanas ancestrais

Proteção contra o oxigênio

Como o barro é um material muito poroso, as talhas apresentam nas paredes vários microporos que permitem a passagem de ar, ou seja, a entrada de oxigênio no local. Quando o vinho fica exposto ao oxigênio em grande quantidade, ele estraga com muita facilidade. Por isso, os produtores para proteger o vinho precisam preparar a talha antes de utilizá-la. Passam dentro dela uma mistura de resina de pinheiro, cera de abelha e azeite de oliva. Quando endurece forma uma crosta na parte interna da talha e fecha quase todos os microporos, protegendo assim o vinho.

Depois da vinificação, quando o vinho já está pronto para amadurecer dentro da talha, é preciso fechar a boca dela. Então, eles colocam por cima azeite na parte superior, formando um lacre líquido para impedir o contato com o oxigênio por cima. Até porque o azeite não se mistura com o vinho, e assim a bebida fica bem protegida.

Todo esse revestimento e o lacre de azeite acabam trazendo para o vinho algumas características bem interessantes como aromas de erva-doce, tomilho, hortelã, erva-mate, etc. Podem apresentar também outros aromas como mel e  toques de resina, parafina e borracha.

Fecha muitos poros, mas como não consegue vedá-los por completo, a talha deixará o oxigênio entrar aos poucos e acontece a chamada micro-oxigenação trazendo para o vinho aromas de frutas secas, nozes, castanhas, amêndoas e até fruta cozida, torta de maçã, doce de banana. O vinho de talha ganha uma complexidade aromática diferente do vinho tradicional.

Utensílios de barro que são utilizados para a vinificação do vinho de talha

Fermentação espontânea

Os produtores ancestrais não tinham fermento à disposição há 7.000 anos, por isso os atuais também não utilizam esse recurso para resgatar esse mesmo processo. Eles esmagam as uvas, deixam a polpa em contato com as cascas, justamente porque nas cascas estão presentes os fungos, as leveduras selvagens que vão atacar os açúcares da uva esmagada e transformá-los em álcool e fazer a magia acontecer. 

Mas, como as leveduras selvagens não são tão eficientes na transformação do açúcar em álcool quanto às leveduras do fermento, o teor alcóolico do vinho de talha será baixo, entre 11 e 13%, e como o álcool é muito importante para o peso do vinho na boca, teremos um vinho de corpo médio. 

Maceração prolongada

As cascas desempenham um papel fenomenal no vinho de talha, porque o contato da polpa esmagada com as cascas dará ao vinho características adicionais como taninos adstringentes, compostos aromáticos, acidez adicional e cor. A polpa da uva tinta e da uva branca é incolor. Então, no processo de produção de qualquer vinho tinto, a maceração é extremamente importante.

Diferente da produção convencional, os produtores ancestrais queriam que o vinho tivesse muito tanino e acidez, porque são conservantes naturais e aumentava a duração do vinho. Por isso, eles abusavam da maceração e deixavam as cascas em contato com a polpa por muito tempo. Assim, acontece com os produtores atuais de vinho de talha. Alguns nem tiram as cascas de dentro da talha e outros deixam por meses.

A maceração prolongada proporciona taninos marcados, que trazem certa aspereza, portanto, o vinho vai ganhar uma acidez mais forte, firme. Se for de uvas tintas, o vinho terá uma colocaração rubi, púrpura e os aromas de frutas vermelhas e negras que já conhecemos. 

Mas, se for de uvas brancas tudo vai mudar porque este vinho branco ficará com as cascas durante a maceração e ganhará taninos, acidez firme e uma complexidade aromática totalmente diferente do normal, aromas de frutas amarelas como manga, caja, tangerina, laranja, pêssego e nectarina. Ele vai ganhar uma cor viva, um toque dourado, uma coloração âmbar, um tom alaranjado. É o conhecido estilo do vinho laranja que foi vinificado em talha de barro, pela fermentação espontânea e com maceração prolongada.O vinho de talha possui aromas mais contidos, elegantes, menos pronunciados e fortes ao longo da degustação porque eles se abrem em camadas. É um vinho muito especial, artesanal e representa os métodos e processos ancestrais de como ele é feito, um verdadeiro vinho de terroir!

Mostrar a cor do vinho de talha branco
Vinho de talha branco possui uma coloração amarela dourada

Indicação Wine Lovers 

A Wine Lovers tem três rótulos desses incríveis vinhos para que todos possam conhecer:

Em Portugal, no Alentejo, a vinícola orgânica Espaço Rural, do enólogo Pedro Ribeiro, tem trabalhado na produção do vinho de talha há alguns anos. 

Bojador Vinho de Talha Branco com uvas da região como perrum, roupeiro, rabo de ovelha e manteúdo. Vinificação em talhas de barro e sem controle de temperatura. A forma ancestral de fazer o vinho foi totalmente respeitada. Fermentação com leveduras indígenas da região e sem qualquer adição ou correção dos mostos. O vinho estagiou durante 2 meses em garrafa. Com teor alcoólico de 12%, de cor amarela exuberante, mineralidade, complexidade e frescor na medida certa. Na boca, ao final, traz intensidade e cremosidade. Combina muito bem com ostras, frutos do mar, saladas, moqueca de peixe e carnes brancas.

Bojador Vinho de Talha Tinto com uvas da região trincadeira, moreto e tinta grossa. Vinificação em talhas de barro e sem controle de temperatura. Fermentação com leveduras indígenas da região e sem qualquer adição ou correção dos mostos. Estágio durante 2 meses em garrafa. Este vinho não foi estabilizado antes do engarrafamento para não afetar o seu potencial de evolução, podendo criar ligeiro depósito natural durante a permanência na garrafa. Com teor alcóolico de 13%, de cor rubi intensa, aromas de frutas vermelhas, mineralidade, complexidade e frescor na medida certa. Na boca, no final, traz intensidade longa. Ideal com carnes vermelhas, pratos com molhos condimentados, bacalhau e estrogonofe de carne. 

Em Portugal, da região de Minho-Lima, a vinícola biodinâmica Aphros Winery, do enólogo Vasco Croft, tem também vinho vinificado em talha:

Aphros Phaunus com 100% loureiro. Fermentação e maceração pelicular durante 10 semanas em talha, onde estagiou mais de 7 semanas após remoção das películas. No nariz é fresco, leve, com notas sutis de água de pêssego, pêra, damascos frescos, flores, grama fresca, limão e mel. Na boca é franco, saboroso, ataque cítrico, deixa a presença média de minerais e frutas frescas. Boa acidez e volume. Final remete a raspas de limão e feno fresco. Média persistência. Combina com paella, peixes defumados e frutos do mar.

2 respostas para “Você conhece o vinho de talha?”

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