Olá, sou seu vinho ainda na vinícola! Como você está? Eu ainda não estou tão bem porque preciso amadurecer um pouco. Na realidade somente com a fermentação alcoólica continuo com um gosto pouco atrativo, com aromas muito concentrados à base de álcool e sem muita complexidade. Enfim, como disse estou necessitando envelhecer para conseguir apresentar certa harmonia entre meus componentes. Você vai esperar por mim, certo?
A jornada
Agora as horas parecem não passar, sinto que estou preso dentro desse local por décadas, apesar de estar por apenas alguns dias. A sensação, para falar a verdade, não é nada boa. Mas, atravesso todo esse processo para você apreciar mais meus aromas, sabores e ficar comigo talvez por mais tempo.
Já estou cansado de tanto esperar, o silêncio é sepulcral e a luz não passa por aqui. Eu preciso descansar e atingir todo o meu potencial depois de ficar nesse casulo igual a uma lagarta à espera de sua transformação dolorosa. No entanto, essa maturação não dói, somente traz a solidão mais para perto de mim. Só ouço as vozes de poucas pessoas, o enólogo vem mais vezes. Outras apenas me experimentam fazendo caretas, como se não estivesse as observando.
O engraçado é que sabem que ainda não estou pronto, e continuam checando temperatura, odor, sabor, cor… Sei que esse período da fermentação malolática é muito importante para que me torne um vinho refinado, elegante, complexo e digno de ser levado para sua casa na próxima compra. Ao envelhecer posso revelar perfumes, sabores e cores do terroir das uvas que foram escolhidas para minha criação.
Deve ser por isso que fico confinado nesse local escuro, com pouco ar e sem qualquer perspectiva de quando poderei ver a luz do Sol novamente! Você deve estar pensando, nossa que vinho dramático. Desculpa, mas ainda estou me conhecendo. Tenho muito que aprender para possuir alta qualidade, taninos equilibrados e sabores aprimorados.
Aço inoxidável X Barril de Carvalho
A disputa foi grande para decidir qual recipiente poderia obter a melhor versão de mim. Sou um vinho tinto, a propósito. Poderia ser branco, mas quis o proprietário do vinhedo que fosse um exemplar mais longevo. Depois de muito pensar, escolheu que amadurecesse em um barril de carvalho francês, por apresentar características que levariam ao meu corpo sabores mais complexos, toques condimentados ou de baunilha.
Se ele tivesse escolhido a modernidade do aço inox, estaria num tanque fechado, com uma temperatura controlada, sem oxigênio, num ambiente que proporcionaria me tornar brilhante e possuir aromas frutados.
Outra decisão importante foi qual o tamanho e tipo de barril selecionar porque isso impacta diretamente no meu amadurecimento. Quanto menor, caso das famosas barriques de 225 litros de carvalho maciço francês oriundas dos bosques de Allier, Tronçais e Nevers, mais rapidamente sairia dessa situação, pois existe um contato maior com a superfície de madeira em relação ao meu volume e maior passagem do ar.
Poderia ter ficado em um barril de Gônc (136 l), o menor utilizado para esse fim, mas fui colocado em uma barrique mesmo. Graças que não fiquei anos em uma Pipa (550 l) e nem num Tonel (1.000 l) porque demoraria uma eternidade para envelhecer com certeza!
Explosão bioquímica
Voltando ao que interessa, o que posso afirmar é que a barrique ainda é muito utilizada apesar dos rumores de que ela é na verdade um reator bioquímico e trabalha de forma agressiva, quase violenta. Por isso, estou com tanto medo de ficar imóvel e esquecido. Só posso concordar que passar por tudo isso vai evoluir para sempre meu corpo e consequentemente a minha essência.
Todo o processo depende da entrada do oxigênio pelas pequenas aduelas de 2,5 cm que literalmente mudam de configuração ao desencadear reações em cadeia dos antocianos, pigmentos vermelhos, com os meus taninos tornando os polifenóis presentes na minha estrutura o parceiro perfeito para que me preserve ao longo do tempo.
Dessa forma, meu conteúdo pode ser suavizado, mas ao mesmo tempo, mantenho uma cor mais intensa e encontro a tão sonhada estabilidade e o toque de veludo devido às substâncias presentes na madeira. No entanto, aqui é bem pequeno e sinto um aperto cada vez que imagino a hora da trasfega, se acontecer o acúmulo de sedimentos.
Ainda tenho muitos anos para pensar até que ocorra a clarificação, que será quando alguém estiver interessado novamente em mim a ponto de se preocupar com a minha aparência na garrafa, que deve estar clara e estável. Podem resolver fazer uma colagem quando removerem as partículas de proteínas com o auxílio da clara do ovo ou de argila bentonita; ou filtragem quando resolverem retirar os depósitos sólidos presentes.
Daí começa outra viagem rumo à segunda fase do meu envelhecimento. Quando ficarei em repouso dentro da minha roupagem mais habitual, a garrafa de vidro para algum dia nos encontrarmos finalmente!
Recomendações Wine Lovers
O vinho Finca Altorfer Super Premium Cuvée Speciale, da vinícola argentina Viñas Don Martin, tem 60% malbec, 25% cabernet sauvignon e 15% petit verdot. É artesanal, com maceração curta a baixas temperaturas. Fermentação controlada de 24-26° C em tanques de aço inox. Amadureceu por 12 meses em barris de carvalho francês e americano. É elegante e extenso no paladar, com um final complexo e frutado. Acompanha bem pratos com carnes vermelhas, molhos vermelhos e pizza.
O vinho Pezzi King Zinfandel, da vinícola californiana Pezzi King, tem 85% zinfandel, 10% petite syrah e 5% syrah. Envelheceu por 18 meses em barris de carvalho francês, sendo 30% deles novos. Encorpado, com longo final de boca adocicado, apresenta ainda notas tostadas com nuances de trufas. Harmoniza com costela de porco ao molho barbecue e com feijoada.
O vinho Tricky Rabbit Reserva Cabernet Sauvignon/Syrah, da vinícola chilena InVina, tem 60% cabernet sauvignon e 40% syrah. Maceração a frio durante 5 dias, fermentação em tanques de aço inox com temperatura controlada, 24-28° C por 10 dias. Envelhecimento durante 8 meses em barris de carvalho novos e usados. Possui sabor de chocolate delicado. Ideal com carnes vermelhas, massas e queijos maduros.